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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Foto extraída de https://pt.linkedin.com 

 

JOSÉ MIGUEL SILVA

 

Nasceu em Vila Nova de Gaia – Portugal, em 1969.

 

 

INICIAÇÃO

 

Entre pedras afiadas,
a janela por abrir.
Alguém o acompanha

nos recados da manhã:

sal 12 pães 1 kg de maçãs
fósforos canela.

 

Ao sair da mercearia,
roubaram-lhe os pedais da bicicleta,
a roda de orações.

 

Mãe, quis saber,
quem tomou conta de mim
quando eras pequenina?

 

              ( In: O sino de areia. 1999 )

*

 

 

ANTI-ÉGLOGA

 

A verdade é que também as urtigas

me aborrecem. Esta doçura dos pássaros,
a silvestre quietude da tarde atravessada
pelo balido das ovelhas, grandes imitadoras
de Edith Piaf, tudo isso não chega a ser
vermelho, mas um pouco de sangue
na biqueira do sapato faz-me falta.
Faz-me falta praguejar, ter um lago
de cimento onde cuspir, obstáculos
de fogo, fantasias, a metralha dos calinos.
Não me sinto nada bem com a doçura,
com a paz dos ermitérios, de onde Deus
se retirou há quinze anos. Esta resignação
das árvores, dos faunos, das silvanas,
da restante bicharada típica dos lugares
onde sofrer é natural como estar só,
a conclusão é que não sei caminhar sem sapatos
que me apertem. As sandálias do pescador
as botas do alpinista, não me levam
a lado nenhum. Detesto confessá-lo,
mas eu sou da cidade até à raiz do terror.

Não consigo viver sem o saco de areia
onde exercito o excessivo golpe de exasperação.
Sem esse esbracejar a minha selva coagula,
torna-se pastosa, sonolenta, felizita
como um rio de meandros preguiçosos,
lamacentos, imprestáveis — de que me serve
fingir o sossego a que não chego, brincar
às Arcádias em que não acredito?
Está decidido, prefiro sofrer.
Amanhã de manhã regresso ao abismo.

              https://pt.linkedin.com/ SEIS

As lágrimas trazem um cão para dentro de casa.
Numa casa compassiva dá-se valor ao choro,
aceita-se o repto de mais uma boca
para morder. Assim a criação já não vai sozinha
à mercearia. Se que bater na professora,
bate no cão, o cão foge
para debaixo de um taxi, a criança
deixa crescer as unhas, arranha
com paciente fúria a magreza dos seus braços e chora,
chora a sua infância morta.

                    (In: Vista para o pátio. 2003)

*

 

MORRER EM LAS VEGAS – MIKE FIGGIS (1995)

Ó Las Vegas, altar do mundo, não é sorte
o que te peço, só te peço que recebas
esta alma já em corpo decomposta, este corpo
decompostos em desespero. Eu, cidade,
fui cuspido, e não quero nada,
eu acendo-te uma vela que não arde.

O amor quando chegou à minha vida
chegou como ambulância retardada pelo tráfego.;


 

Acolhe com favor a minha negação
e sepulta-me de rosto virado ao deserto.

                     ( In: Movimentos no escuro.  2005)

 

*

 

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Página publicada em novembro de 2021

 

 

 
 
 
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